A relação entre o consumo consciente e a sustentabilidade
Refletindo sobre a construção da identidade desde os tempos de Descartes e Kant, quando se dizia “eu penso, logo existo”, até os dias atuais, é evidente que nossa compreensão da identidade evoluiu de uma visão fixa e imutável para uma abordagem dinâmica, interconectada e em constante movimento e transformação,
influenciando o meio em que vivemos e sendo influenciada por ele. Essa mudança de perspectiva nos permite vislumbrar um potencial transformador para nosso mundo.
Ao adotar essa perspectiva em constante evolução, surge a oportunidade de construir uma identidade coletiva consciente, voltada para a redução das desigualdades sociais e a promoção da sustentabilidade. Eu mesma percebo que venho constantemente remodelando a minha identidade e hoje meu objetivo é contribuir para a construção de uma identidade coletiva mais consciente focada em reduzir a desigualdade social e promover um mundo sustentável.
Recentemente retomei a leitura do livro A corrida para o século XXI: O loop da montanha-russa, do historiador brasileiro Nicolau Sevcenko e ali encontrei um gancho para a reflexão que estou querendo trazer aqui. No livro Sevcenko traz o slogan, super provocativo, criado pela artista norte-americana Barbara Krugman que resume brilhantemente o estado de espírito da nossa sociedade: “Eu consumo, logo existo!” Essa expressão chocante, porém reveladora, pode ser o ponto de partida para explorar a intrincada relação entre consumo consciente e sustentabilidade.
Como doutora em psicologia social, estudando e analisando dinâmicas socioambientais, acredito na capacidade de nossas escolhas de consumo impulsionarem transformações positivas. Ao reconhecermos que nossas identidades fluidas estão agora entrelaçadas com nossos padrões de consumo, emerge a responsabilidade de considerar as consequências sociais e ambientais de nossas ações de consumo. A interconexão que nos liga também à natureza e à sociedade nos confere o poder de impactar positivamente esses domínios por meio das escolhas que fazemos ao consumir.
Desenvolvo meu pensamento partindo do princípio de que o consumo não é um ato isolado, mas sim um ato de investimento financeiro que molda a produção de bens e serviços, afinal, quando a gente “consome” (e, por sinal, consumimos o tempo todo), estamos emprestando nosso dinheiro para a produção de um bem ou serviço. E nesse sentido, cada compra pode ser encarada como uma expressão de poder ou submissão, ditando os rumos do sistema socioeconômico.
Gostando ou não, até hoje, temos sido em grande parte reféns. Reféns de um ciclo de consumo compulsivo e inconsciente, que rouba a nossa atenção, impedindo que a gente tenha uma visão clara do que realmente está por trás das nossas escolhas. Reféns de um sistema de produção linear alimentado por um sistema
linear de produção que já foi pautado pela ilusão de recursos infinitos e pela suposição de que o lixo poderia ser descartado sem repercussões.
Fiz questão de dizer que somos reféns “até hoje”, porque podemos mudar… Podemos moldar um futuro mais sustentável por meio do consumo consciente. É visível o aumento do número de empresas que priorizam a responsabilidade ambiental em suas cadeias de suprimentos, adotando materiais reciclados e práticas de produção de baixo impacto. Além disso, movimentos como a economia circular estão ganhando impulso, redefinindo a maneira como concebemos a vida útil dos produtos e minimizando o desperdício.
No livro que lancei, “Repense suas escolhas: seus hábitos de vida, consumo e trabalho moldam o mundo” trago vários exemplos inspiradores que mostram a mudança que já está acontecendo. Acreditem: cada escolha que fazemos ao consumir tem o potencial de impulsionar mudanças significativas em direção a um futuro mais sustentável. À medida que nos libertamos do ciclo de consumo irresponsável, novas possibilidades emergem, moldando uma narrativa de mudança positiva e progresso.
Renata Brunetti
Doutora em Psicologia Social pela PUC-SP tendo atuado desde 1996 como consultora em captação de recursos em diversas organizações sociais. Faz parte da rede associados do ICE, que tem como missão articular líderes transformadores no desenvolvimento de iniciativas que potencializam impacto social positivo na população de baixa renda. Fundadora e idealizadora do Change for Good e autora do livro “Repense suas escolhas: seus hábitos de vida, consumo e trabalho moldam o mundo”.