Longevos – O envelhecimento e o tempo de cada um

Envelhecimento não é doença, mas um processo natural, humano e inevitável. Os declínios corporais ficam mais evidentes com o passar dos anos influenciados por fatores como genética, alimentação, exercícios físicos, vida social e trabalho. O desenvolvimento psicológico depende da flexibilidade e da abertura para novas possibilidades de sentido.

O declínio do corpo físico é um desses aspectos mais impactantes do envelhecimento. Sentimos a perda de vigor de tempos passados. Vemos idosos caminhando na rua com dificuldade, enquanto jovens passam facilmente. Naturalmente ocorre o envelhecimento celular, a diminuição da massa muscular e do tecido ósseo e a redução da altura incluindo a do peso dos órgãos.

À medida que envelhecemos, surgem novos medos e preocupações. O declínio cognitivo é perceptível quando temos dificuldade em lembrar memórias mais antigas. A perda de memória é uma queixa comum, assim como problemas de sono, incluindo sonolência diurna e insônia.

Não bastasse tudo isso, os estigmas sociais e a rejeição à velhice são desafios significativos. Por isso cresce o número de pessoas que recorrem a procedimentos estéticos para parecerem mais jovens. Além disso, a falta de acesso à saúde, como o recente cancelamento de alguns planos de saúde para pessoas idosas, gera muita insegurança.

Muitos idosos vivem sozinhos e têm medo de desenvolver doenças graves, perder a autonomia e a independência, ou não ter dinheiro para se sustentar. Outros medos incluem sair de casa, dirigir, perder a memória, ser abusado por estranhos, e não ter mais lazer ou cuidados da família. A violência contra idosos é um problema sério, que inclui agressão física, psicológica, sexual, econômica e institucional. Esses medos aumentam o estresse, a baixa autoestima, a ansiedade e a depressão.

É necessário combater estigmas, violências e destacar os aspectos positivos da longevidade, como experiência, sabedoria e realizações pessoais. Manter bons hábitos alimentares, praticar exercícios e evitar vícios são essenciais para um envelhecimento saudável. A lei n. 10.741/2003, o Estatuto do Idoso, assegura direitos às pessoas de 60 anos ou mais. É fundamental que esse estatuto seja conhecido e respeitado.

Na sala de espera do meu consultório, um espelho grande permite que as pessoas se vejam de corpo inteiro quando chegam. Certa vez um paciente de 80 anos se colocou diante do espelho e disse: “Quem é você?”, brincando com a “surpresa” da mudança de seu corpo ao longo dos anos.

Naquele dia entramos na sala para mais uma sessão de psicoterapia, e trabalhamos o que chamamos de temporalidade noética, ou seja, como você está vivenciando a sua vida de forma mais intensa, significativa dentro da tríade passado-presente-futuro.

Mesmo quando a maior parte da vida já se passou, ainda há possibilidades de realizar algo de valor. De fato, foi uma das melhores sessões, pois a constatação da sua idade desperta a “urgência da hora”, de viver com intensidade o futuro próximo e concluir seus projetos. Ele se descobriu em frente ao espelho e foi trabalhar. “Nosso caminho de vida, seja nos grandes, seja nos pequenos eventos, somente terá êxito se sempre e ininterruptamente algo estiver à nossa frente, um ideal…” (Lukas, 2012, p. 10).

Para um envelhecimento saudável, é importante manter relações sociais, exercitar o cérebro e seguir uma alimentação balanceada. Evitar produtos industrializados e consumir mais frutas, vegetais, legumes e grãos é essencial. A qualidade do sono e hábitos higiênicos adequados também são relevantes para prevenir quedas e acidentes.

Segundo Viktor Frankl, a “vontade de sentido” é crucial para um bom viver. Envelhecer com qualidade depende de ajustar-se às mudanças e enfrentar desafios com resiliência. É necessária uma adaptação à nova realidade lidando com limites. No processo do envelhecimento, somos levados a responder e enfrentar os desafios das perdas que vão ocorrendo no caminho. Desde o nascimento, o cuidado com o corpo, a mente, a espiritualidade e a vida social contribuem para um envelhecimento mais saudável.

A perspectiva de um envelhecimento saudável e encontrar sentido na vida acontece desde o momento que viemos ao mundo, mas fica mais evidente nos 60+. O processo de envelhecimento varia de pessoa para pessoa, pois vivemos de formas diferentes a vida, mantendo um caráter singular nesse processo. Pode ser um período de maturidade e realização, mas também pode trazer solidão e medo.

Interessante pensar num sentido do existir mais focado na simplicidade, gratidão, viver o envelhecimento de modo mais sereno frente à certeza da finitude. É necessário um processo de autotranscedência em relação aos próprios problemas. Frankl aponta o caminho dos valores de criação, de vivência e atitudinais, ou seja, a obra que o idoso foi capaz de desenvolver durante a sua existência e que terá impacto importante, as lembranças significativas que contribuem para o entendimento de sua vida e o que realizou.

O número de pessoas idosas tende a aumentar nos próximos anos, décadas. Por isso, é necessário repensar não só o envelhecer, mas experimentar a realização da vida através das relações com as pessoas significativas.  Um aporte ao sentido da vida como estratégia de fortalecer a dimensão existencial levando em consideração o presente, o passado e as possibilidades de futuro, no processo de envelhecimento e as implicações que a longevidade nos traz como desafio de uma vida que valha a pena viver.

Segundo Kroeff (2014, p. 205), somos livres para escolher os sentidos que damos às nossas vidas e somos responsáveis por realizar esses sentidos, ou, pelo menos, de nos esforçarmos em direção a eles. “A velhice não é uma idade na qual somos liberados desta obrigação. Continuamos a ter que responder aos questionamentos sobre o significado de nossa vida.

Tomemos posse da nossa existência, considerando nossos desejos e opiniões, que são fruto da materialidade de nossas vivências ao longo do tempo, para que sejamos merecedores de um envelhecimento saudável como parte de uma existência digna.

 

Referências

BRASIL. Estatuto do Idoso. 3 ed. Brasília, DF: Coordenação de Edições técnicas, 2019.

Frankl, Viktor E. A vontade de sentido: fundamentos e aplicações da logoterapia. Trad. Ivo Studart Pereira. São Paulo: Paulus, 2011.

Lukas, Elisabeth. Psicoterapia em dignidade: orientações de vida baseada na busca de sentido de acordo com Viktor E. Frankl/ Trad. Helga H. Reinhold – 1 ed. – Ribeirão Preto SP. IECVF, 2012.

Kroeff, Paulo. Logoterapia e Existência: A importância do Sentido da vida. Porto Alegre: Evangraf. 2014.

Francisco Carlos Gomes

Psicólogo Clínico e Logoterapeuta. Mestre em Psicologia Social pela PUC-SP. Fundador e diretor clínico do Núcleo de Logoterapia AgirTrês. Coordenador do grupo de pesquisa “O vazio existencial na contemporaneidade e as possibilidades de realizar sentido” do Laboratório de Política, Comportamento e Mídia da Fundação São Paulo/PUC-SP – LABÔ