É possível dar Sentido à vida de alguém?
Recorrentemente, consulto pacientes que desejam que eu forneça uma resposta apontando para o sentido da vida deles. Sempre digo que não é possível fazê-lo, e muitas vezes minha profissão é convocada como autoridade no pedido “ah, você é psicólogo, experiente, me conte o caminho das pedras”. Antigamente, as pessoas que viviam esse desconforto em sua vontade de sentido recorriam a autoridades religiosas; hoje em dia lotam os consultórios psicológicos.
Mas, invariavelmente, quem reconhece a ética de sua profissão, vai responder “não”. É importante enfatizar que o sentido na vida não está à venda. Como psicólogo, posso afirmar que não se pode dar sentido à vida de alguém – quando muito posso ajudar a própria pessoa a encontrá-lo, dando ênfase ao processo de amadurecimento. Como afirma Viktor Frankl, não é possível dar sentido, mas somente encontrar o sentido (2003, p. 27).
À medida que uma pessoa dirige a outra a pergunta sobre o sentido de sua vida, ela também abre mão da própria responsabilidade pelas escolhas que terá que fazer. Existe aí um medo de errar e, ao mesmo tempo, a ilusão de obter uma resposta rápida que encurte as reflexões necessárias para decidir.
Contudo, o processo de tomada de decisão é extremamente importante durante a nossa existência. Teremos que fazer escolhas e seguir em frente com elas, abandonando as opções não escolhidas. Na maioria das vezes, não queremos deixar nada, mas isso é impossível.
Responder à demanda de sentido de alguém é, no mínimo, leviano. Quando uma pessoa se predispõe a dar sentido à vida de outra, geralmente há um desejo de manipulação (consciente ou inconsciente). Um desejo de que o outro pense de acordo com os valores dela, tentando direcionar seus sentimentos e as ações durante a vida. Acaba por querer criar uma cópia de si mesma, achando feio o que não é espelho.
O que ocorre nesses casos é uma distorção do sentido, muito característico de pessoas com aspecto narcisista, que avançam no limite do respeito à individualidade do outro, buscando sobrepor a sua opinião e visão de mundo – um grande problema na atualidade.
Se existe alguém que quer dar sentido, existe alguém que quer receber sem questionar este processo – o que é um erro, pois repete essa ideia de transferir a sua responsabilidade para outra pessoa.
Para encontrar, é necessário procurar no mundo, fora de você. O que importa é o sentido específico da vida de uma pessoa em dado momento. Frankl (2017, p. 133). Encontrar sentido demanda a percepção da realidade, é algo objetivo e concreto. É necessário extraí-lo, captá-lo – portanto é mais parecido com um quebra-cabeças, em que é preciso o encaixe correto das peças para encontrar a imagem maior (contexto). Trata-se de uma necessidade diante do contexto, aquilo que devo fazer em cada situação da vida, dentro das fases de desenvolvimento humano.
A autotranscendência, ou seja, quando você tem a condição de olhar para além de si mesmo(a), é fundamental na busca de sentido. Ir em direção a uma causa, encontrar algo a que você possa se dedicar, criar valor para que possa se realizar, sem se preocupar desmedidamente se terá sucesso. Afinal, o sucesso é um subproduto daquilo que se faz com amor e, para isso, é necessária uma certa dose de tensão entre aquilo que se é e aquilo que você deve ser, além de colocar foco naquilo que ainda está por realizar. “O ser humano é radicalmente aberto ao mundo” (“El ser humano es el ser radicalmente abierto al mundo”. Pareja Herrera (2007, p. 170).
Dessa forma, encontrar sentido está conectado a realizá-lo. Ao realizar sentido, vamos construindo o nosso passado. Nossas histórias são o lugar mais seguro em que vivemos, que ninguém pode roubar de nós, fica guardado e conservado no passado, torna-se permanente. Se reclamamos ou nos arrependemos do passado, de coisas que fizemos ou não, é hora de se questionar: será que estou “inteiro(a)” no meu processo de escolha?
A melhor forma de ter um passado do qual se possa orgulhar é viver uma vida plena de sentido. Claro que não se pode realizar sentido o tempo todo, nem estar 24h conscientes dele, mas é importante estarmos atentos àqueles momentos em que as oportunidades aparecem. Aos momentos que saltam aos nossos olhos e apontam para uma direção que se apresenta favorável para realizar algo de valor. O processo de decisão é extremamente importante, pois somos convidados a decidir o tempo todo.
É aí que entramos com uma visão de futuro próximo, algo que esteja ao seu alcance para ser feito. Nesse momento, o que faço é escrever este artigo, e só posso me realizar à medida que organizo as ideias, pesquiso o que quero escrever e efetivamente começo a digitar para que tome forma, algo concreto.
Em muitos momentos, não consigo avançar na folha em branco, e ocorre uma sensação de inadequação, uma falta de sentido de não saber o que fazer. É semelhante, em alguma medida, à sensação de vazio existencial. Por isso, é importante enfrentar e buscar preencher o vazio.
Quando esse vazio se agrava, é como se a vida não tivesse sentido e perdemos a razão para seguir em frente. Vazio que também acontece quando somos impedidos de sermos nós mesmos, como uma frustração da vontade de sentido, ou seja, quando somos frustrados na nossa vontade de realizar. Isso implica que teremos que impor nossa condição no mundo, pois nem sempre teremos pessoas apoiando as nossas realizações.
A sociedade dificilmente vai contemplar todos os grupos para que possam realizar algo de valor. A visão coletiva de mundo é geralmente ignorada e negligenciada, o que amplia os obstáculos para que as pessoas encontrem seu sentido de vida.
Ultrapassar esses obstáculos depende de um grau de comprometimento individual e coletivo. Encontrar na relação da temporalidade noética – presente-passado e futuro –, uma noodinâmica, ou seja, agir com liberdade e responsabilidade. Encontrar sentido, pode lhe dar mais condições de lidar com o sofrimento, as frustrações e as tensões.
Informações de Contato:
Consultas com agendamento: de seg-sex das 08:00 às 19:00
Email: franciscocarlosgomesagir3@gmail.com
📍Consultório
Rua Joaquim Antunes, 490 cj 31 – Pinheiros – Cep: 05415-000
Referências Bibliográficas
Frankl, Viktor Emil. Sede de Sentido. São Paulo: Ed. Quadrante, 2003.
Frankl, Viktor Emil. Em Busca de Sentido.Petrópolis: Editora Vozes, 2017.
Pareja Herrera, Guilhermo. Comunicación y resistência. Buenos Aires: Editora San Pablo, 2007.
Imagem: Grantham Coleman como Hamlet (divulgação/Old Globe, 2017)
Francisco Carlos Gomes
Psicólogo Clínico e Logoterapeuta. Mestre em Psicologia Social pela PUC-SP. Fundador e diretor clínico do Núcleo de Logoterapia AgirTrês. Coordenador do grupo de pesquisa “O vazio existencial na contemporaneidade e as possibilidades de realizar sentido” do Laboratório de Política, Comportamento e Mídia da Fundação São Paulo/PUC-SP – LABÔ